Preferia que meu filho não fosse um jornalista como eu, mas como o risco de herdar a profissão de pai e mãe é sempre grande, pelo menos ele já tem no currículo o cumprimento à risca de um
deadline. O nem tão pequeno assim Xavier nasceu na véspera de se completarem 40 semanas de gravidez, uma espécie de prazo regulamentar. A partir desse limite os bebês entram na prorrogação e provocam um súbito aumento dos casos de unhas roídas, tanto na família quanto entre o círculo de amigos dos pais.
Recebi uma ligação da Cléia no trabalho. Ela parecia calma. A barriga estava dura durante todo o dia e o Xavier, sempre muito agitado, havia parado de se mexer. Dra. Denise, a médica que acompanhou toda a gestação e faria o parto, tinha uma cirurgia marcada na clínica e pediu que fôssemos até lá, só para dar uma olhada, ver se está tudo bem. Descobrimos, ora vejam, que a Cléia estava em trabalho de parto. Ainda bem que tínhamos colocado no carro as tais malas da maternidade, já deixadas prontas para eventualidades como essa.
Quando recebi a ligação da Cléia, procurei ficar calmo também. Procurei mas não achei direito. Senti isso quando tentei tirar o carro da garagem da empresa. Manobrei algumas vezes para percorrer poucos metros de ré dentro da garagem, algo que normalmente faria de olhos fechados e com o pé e a mão direitos amarrados ao freio de mão. Enfrentei o trânsito do horário do
rush com estoicismo. Repetia mentalmente a mim mesmo que deveria me concentrar em dirigir com segurança em não fazer besteira agora. Nem depois, claro.
Tirei a Cléia e as malas de casa como um profissional da defesal civil executando um procedimento de emergência treinado. Coloquei o cérebro no modo "agir de forma racional". Pelo menos da maneira como eu conseguia enxergar, cada movimento parecia calculado para que as coisas fossem feitas ao mesmo tempo de maneira rápida e sem afobação. Agi também desse modo ao enfrentar as filas da ponte. "Garanta o sucesso da missão, não dirija devagar demais nem corra riscos", ordenou o coronel Massa Cinzenta.
Chegamos à clínica quase às 20 horas e não demorou muito para que a dra. Denise nos atendesse. "Você está em traballho de parto", concluiu. A Cléia chorou um pouco, mas disse que não era tristeza. Dadas algumas circunstâncias da paciente, a médica decidiu que seria mais seguro fazer uma cesariana. Imediatamente. Pouco mais de uma hora depois, o pequeno Xavier estava nas mãos de uma equipe médica, sob aquelas luzes do centro cirúrgico que parecem discos voadores prontos a abduzir o bebê.
Ele chorou forte ao deixar a barriga da mãe – um sinal importante de nascimento saudável – mas depois ficou calminho. Colocado no pequeno berço hospitalar da sala de parto, enquanto a mãe era costurada, sentiu algum desconforto que provocou a primeira ameaça de choro do tipo como-será-que-se-faz-ele-parar. Mas durou alguns segundos. Cantei baixinho bem perto dele e o menino voltou a se acalmar. Nenhuma canção em especial, apenas uma melodia de ninar improvisada. Não posso deixar de admitir que me achei o cara.
A Cléia ficou um pouco desapontada porque, ao presenciar ao parto, vi como é nosso pequeno filhinho antes da mãe. Logo ela, que carregou o filhote na barriga durante nove meses, só conseguiu enxergar a criança de ângulos onde se vê pouco mais que a geografia do nariz. Mas ela pôde constatar o que eu já vinha dizendo há tempo: "ele vai ser bem parecido comigo". Tá bom, ainda não dá para dizer com quem se parece, se os abundantes cabelos escuros são meus ou dela, mas tá no caminho.
Depois disso é a recuperação, aprender a amamentar, dar banho, trocar fraldas (não vale dizer éca!) . O papel do pai, nesse momento, é pouco mais do que ficar ao lado da mãe e segurar o bebê de vez em quando, para que ela possa fazer coisas simples que nesse momento tornam-se algo um tanto complicado, como comer e ir ao banheiro. Os primeiros banhos ficam a cargo das enfermeiras. Na maior parte do tempo Xavier mama. Já deve estar maior do que os 3,8 Kg e 50,5 cm com que nasceu, às 21h15 de 28 de fevereiro de 2007.