Foi esse o título que dei a uma das matérias do jornal que editei na sexta-feira. E era realmente a minha antiga escola, uma das três que foram fechadas pelo governo nos últimos tempos na cidade. A cada dois anos volto lá para votar – propositadamente nunca informei à Justiça Eleitoral minhas mudanças de endereço. Revejo as salas de aula – reformadas, um pouco profanadas por um pano seco passado sobre a poeira da memória – e o pátio onde antigamente hasteava-se a bandeira do Brasil no mastro mais alto.
Acho que era uma vez por semana. Os estudantes eram perfilados antes do início das aulas e, em formação militar, cantavam o hino nacional. Lembro vagamente que um dia eu mesmo, com oito ou nove anos, hasteei a bandeira. É uma lembrança esfumaçada, do tipo que vira verdade por preguiça, quando o trabalho de checar os fatos não vale a pena.
Não lembro muito bem dos três anos que passei lá, os primeiros de minha vida escolar – não os primeiros da minha educação formal, já que fui alfabetizado em casa pela minha irmã, que me ensinou também a fazer algumas contas. Morava em frente à escola, só saía de casa para a aula depois que soava o sinal. Na hora do recreio, ia até o muro, minha mãe atravessava a rua e me trazia um lanche – hoje os muros estão mais altos. Vivia pouco a escola. Ali praticamente só estudava. De tão próxima, foi algo um tanto distante.
Mas confesso que aquele lugar ainda é algum tipo de referência. Lembro da primeira coisa que devo ter escrito, antes de ser alfabetizado, talvez com uns cinco anos: o nome da escola. Em pé no quintal de casa, perto do portão, observei aqueles grafos pintados na fachada do prédio, do outro lado da rua. Então os desenhei com um lápis, copiando letra por letra, para depois mostrar para minha mãe, orgulhoso, aquela minha primeira obra literária rabiscada num pedaço de papel de embrulho de pão.
A propósito, naquele tempo ainda não se usavam esses saquinhos plásticos de supermercado, nem os de papel em que se colocam hoje os pães. Eles eram comprados na venda e iam para casa embrulhados num papel grosseiro, retirado de um rolo, como as lojas fazem hoje com os papéis de presente. Depois o pacote era amarrado com barbante. Em casa, o “papel de pão” nunca ia direto para o lixo. Virava escrita. Lembretes, pequenas listas de compras. Era o contato primitivo com a grafia.
Não sinto exatamente saudade da escola quando vou lá, mas não posso evitar um certo carinho por aquelas filas de salas de aula com as portas dando diretamente para o pátio, em corredores com cobertura, mas abertos como varandas, o conjunto todo assentado sobre um terreno irregular, no alto do morro. Talvez não possa voltar a visitá-la este ano, já que foi fechada há alguns meses. É uma pena. A Escola Básica Professora Otília Cruz foi, de certa forma, minha porta de saída para o mundo.