sábado, 4 de abril de 2009

A Ilha

2.

— Isso é o que temos de mais parecido com um aeroporto! 20 por 25 metros! Chamamos de “Hercilio de bolso!”, ha ha ha!

O piloto quase tinha que inclinar o corpo à direita para se aproximar do interlocutor e permitir que sua voz, abafada pelo capacete e pelo ruído do rotor do helicóptero, pudesse ser ouvida com um mínimo de clareza. O passageiro, um técnico em comunicações, não fez questão de achar graça.

“Hercílio” era o apelido dado pelos militares ao heliponto. Era uma referência ao antigo aeroporto da ilha, hoje uma grande enseada frequentada não mais por aeronaves, mas por embarcações.

O heliponto fica no topo da construção mais alta de Desterro. Não por acaso, o edifício não foi construído na ilha, mas num ponto isolado pela água, tal qual as antigas fortificações portuguesas do século XVIII. As bases dessa ilha artificial já foram os pilares de duas grandes pontes de acesso à ilha.

O técnico em comunicações, um holandês calado, desceu apressado as escadas assim que desembarcou do helicóptero, sob um vento sul forte e uma chuva fina com cheiro de água do mar. Logo teve acesso a uma sala onde pôde pendurar a capa de chuva e tomar um elevador. Foi direto ao estúdio, um compartimento isolado acusticamente aos fundos da sala de conferência. Em 10 minutos, os equipamentos estavam prontos.

Uma turma de 20 recrutas da Polícia Naval, em fase inicial de treinamento, preencheu ordenadamente os assentos da sala. As poltronas estavam voltadas para uma parede escura. Um instante após o último deles se acomodar, o conferencista entrou na sala por uma porta lateral e estacou de costas para a parede escura, voltando-se para os recrutas. Era um homem jovem, mas de expressão decidida, usando uma roupa civil, com um discreto bottom na lapela em formato de açor, figura de ave adotada como símbolo da organização.

— Bom dia. Daqui a seis meses, vocês estarão prontos para fazer parte de um dos eventos históricos mais importantes deste país, uma experiência pioneira neste continente. Vocês serão parte do braço operacional da VOC, a organização que governa esta ilha atualmente. A VOC é uma empresa que vende civilização, que traz a paz onde o caos se instalou. É precisamente o que fazemos aqui. Vocês conhecerão a história dessa fabulosa organização, o que os ajudará a compreender melhor sua missão nesta ilha.

A parede escura iluminou-se como uma tela de cinema. Imagens e sons passaram a serem exibidos como se uma grande TV de plasma acabase de ter sido ligada. Isolado no estúdio, com visão para a sala, o técnico em comunicações cochilou logo depois de acionar a apresentação. Mas acordou antes que o curto filme terminasse:

...Os agentes da Vereeridge Neederlandsche Geocitoyeerde Oast Compagnie escolheram Desterro para a primeira experiência de reconstrução urbana. O congelamento dos Países Baixos pelos efeitos da mudança no clima global fez a VOC enxergar oportunidades empresariais no que parecia ser uma catástrofe irremediável. Antes um instituto de pesquisa, a VOC holandesa criou seu braço empresarial, especializado em adquirir possessões territoriais no ultramar e transformá-las em bases experimentais para as novas tecnologias de convivência com o oceano, num mundo que aos poucos ficava embaixo d´água. A VOC obteve rapidamente do governo brasileiro uma concessão de 50 anos sobre a ilha, com o compromisso de transformá-la numa cidade viável...

(continua...)

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