segunda-feira, 6 de abril de 2009

A Ilha

3.

Jef acomodou-se na poltrona da sala do editor-chefe, não a que o próprio usava, mas uma segunda, instalada ao lado do grande surfbook que servia também como mesa. O editor-chefe, um sujeito de expressão comum e olhos pequenos protegidos por óculos de aro escuro, de rosto mal barbeado, usava uma camisa clara, adequada para aquela época de calor e umidade. altas em Blumenau, a cidade que ainda se acostumava a ser capital. Estendeu uma chícara de café ao repórter, ao mesmo tempo em que começou a falar.

— Vou lhe contar o que vi.

O repórter sorriu levemente, satisfeito, e apurou os ouvidos. Já havia pesquisado bastante nos arquivos. O que precisava agora era exatamente da impressão de um colega experiente que esteve na ilha durante aqueles anos turbulentos, ainda que não tenha, por impossível, seguido todo o processo de mudança da ex-capital.

— Do que mais me lembro são as explosões. Ficaram gravadas aqui de forma muito viva — disse o editor-chefe, tocando a têmpora com o indicador direito. — Explosões na água, especialmente, são imagens muito impressionantes.

— Fala da Guerra do Maciço?

— A guerra foi realmente a coisa mais impressionante que já cobri. Três anos de bombardeio aos morros de Florianópolis, que ainda se chamava assim, até desentocar as guerrilhas de narcotraficantes. A Polícia Naval teve trabalho. Mas a imagem que tenho mais clara daquele tempo é anterior. Estava lá quando eles implodiram as pontes Pedro Ivo e Colombo Salles. A VOC ergueu a ilha artificial, o quartel-general deles, sobre o que restou das pontes, como você sabe.

A memória do editor-chefe correu em frente a seus olhos como um filme. As duas pontes ainda estavam lá, mas levando a lugar nenhum. Do lado da ilha, as oito pistas terminavam embaixo d'água. A preparação da operação não durou mais que um dia. Mergulhadores istalaram poderosos e compactos explosivos, acionados a distância. Barcos da Polícia Naval patrulhavam uma área de isolamento no mar, mantendo qualquer embarcação na zona segura.

Às 15 horas em ponto, o mecanismo foi acionado. Várias explosões a intervalos de meio segundo abriram um caminho de água, que engolia os escombros do que foram segundos antes as extremidades das pontes, dois dois lados. O editor podia ver as colunas de água se erguendo, como o impacto do mar contra o rochedo, mas alcançando a altura de edifícios. Ao cair, a água levava para o fundo da baía o que parecia tão sólido, como um Netuno que cobra seu tributo destes homens de terra que um dia usaram cruzar seus domínios de água.

Em segundos, acabou. O cordão umbilical entre a ilha e o continente próximo voltava a ser a velha ponte pênsil, recuperada para a passagem de um linha férrea. Como o aeroporto também fora submerso e não havia mais áreas planas para construir outro, só era possível agora entrar na ilha por trem ou barco. Os morros, antes tomados pelas pobreza das favelas, passaram a ser as áreas mais cobiçadas. Ficam a salvo das marés, abrigam preciosas fontes de água potável e em geral haviam sido ocupadas de forma ilegal, tornando-se também reduto de organizações criminosas.

Com os amplos poderes concedidos pelo governo à VOC e seu braço militar, a Polícia Naval, não havia grandes obstáculos a uma ação rápida e violenta de tomada dos morros. Antigos bairros foram comprados inteiros por investidores. Mas os narcotraficantes e os que dependiam deles recusaram-se a sair. Então veio a guerra. A Polícia Naval descarregou seu arsenal sobre o maciço rochoso no antigo centro da cidade.

(continua...)