domingo, 19 de abril de 2009

A Ilha

4.

Ian chegou à Ilha ainda com a velha imagem que os europeus tinham de países do lado sul do mundo. Já haviam lhe contado, mas ainda assim surpreendeu-se de não encontrar naquela ilha estranha um enorme cobertor de casebres espalhando-se pelos morros, como vira no Rio de Janeiro. O holandês ainda tinha essa imagem na mente enquando assistia ao filme de treinamento da turma de novos policiais navais. Os morros, em vez da pobreza do Rio, eram oásis de civilização naquele país latino. Lá estavam os espaços mais nobres e organizados da cidade reiventada pela VOC.

O jovem recruta voltou a pensar nisso quando embarcou numa das lanchas da Polícia Naval para o reconhecimento da porção marítima de Desterro. Em turmas, os recrutas descem por um grande elevador até o porto da VOC, no “subsolo” da ilha artificial. Suspensa pelos pilares das antigas pontes de acesso a Desterro, a sede da VOC permitia-se aquela curiosa solução arquitetônica de um porto localizado embaixo do grande edifício, de onde partiam as lanchas de patrulha da ilha. O mar estava não apenas em volta da construção, mas também embaixo.

Em poucos minutos, Ian foi outra vez desmentido pelos olhos. Também haviam lhe falado sobre aquilo, mas atribuíra então a exageros de conterrâneos embriagados pelo exotismo de uma terra distante. A lancha se aproximava de uma grande mancha no horizonte, numa diagonal à direita da proa. No início parecia ser uma pequena ilha. Mas era algo flutuante. Nâo poderia ser algum tipo de embarcação. Não fosse tão grande, Ian poderia pensar que fosse uma grande massa de lixo boiando sobre a baía.

A embarcação da Polícia Naval passou ao largo daquela massa flutuante de formas quadradas, conectando-se numa grande e irregular rede de madeira. Não havia exagero no que lhe contaram. Sim, não havia mais as antigas favelas nos morros. A guerra e a ocupação militar rígida de todas as áreas disponíveis ha ilha havia sido bem sucedida. Os pobres e os narcotraficantes não estavam mais nas terras da ilha. Mas as favelas não desapareceram, apenas mudaram de lugar.

Aquela massa flutuante era uma grande “abarcagem”, as inacreditáveis favelas flutuantes de que falavam os relatos que Ian considerava meros deslumbramentos exóticos. As casas, algumas com dois ou três pavimentos, aglomeraram-se em balsas ancoradas no meio das baías, a uma distância segura da ilha,. Era o único espaço onde aquela gente poderia ser tolerada.

— Estas áreas foram originalmente criadas para abrigar grandes fazendas marinhas de produção de moluscos, um negócio promissor para abastecer os restaurantes de Desterro — o instrutor tentava projetar a voz através do vento, em pé na proa da lancha, apontado para a favela flutuante. — A produção não deu certo porque ataques de piratas a tornaram pouco segura. Nossa estratégia foi então reforçar a segurança dos portos, para manter esses transgressores fora da ilha. E conseguimos. Eles se instalaram então nas águas da baía, sobre as antigas fazendas. A situação está estabilizada.

“Por enquanto...”, gostaria de ter acrescentado o instrutor. Aquela situação era tudo, menos estável. Cedo ou tarde, os piratas baseados nas abarcagens trariam problemas à cidade holandesa na ilha. Amiúde, pequenas escaramuças já ocorriam. Os dois lados mantinham uma espécie de guerra fria, como dois leões entocados esperando um descuido do oponente para atacar e tomar todo o território. Os piratas era militarmente mais fracos, mas poderiam fazer grandes estragos com suas táticas de guerrilha. À Polícia Naval, cabia neste momento manter a estabilidade em Desterro, não interessando um confronto aberto. Mas como avaliava mentalmente o instrutor, era uma situação que não poderia durar. Ian começa a compreender isso.

(continua...)

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