quarta-feira, 22 de abril de 2009

Lagoinha


A trilha do feriado entre as praias do Matadeiro e da Lagoinha rendeu. É nisso que dá fazer quatro blogueiros atravessarem um caminho de pedras no mato, entre a montanha e o mar.

Dauro Veras deixou seu relato e fotos no DVeras em Rede.

Maurício escreveu lá no Vida de Frila.

E o Lauro no Meleca Verde.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Matadeiro-Lagoinha


Por que alguém decide aproveitar o dia de folga caminhando cerca de 10 quilômetros morro acima e morro abaixo, atravessando praias e rios, equilibrando-se para não cair em despenhadeiros e atravessando um caminho de pedras no meio da mata? E tudo isso para, no fim do dia (depois de uma tainha frita e cerveja, que ninguém é de ferro), pegar um ônibus e voltar ao ponto de partida.

Passar um cansaço desse começa a fazer algum sentido quando se vê uma foto como esta aí acima. Da esquerda para a direita, os quatro blogueiros Lauro, Maurício, Dauro e Carlito fazem uma parada para foto antes de chegar à Praia da Lagoinha do Leste (ao fundo), atravessando a trilha que vem da Praia do Matadeiro, ambas em Florianópolis. Da Lagoinha do Leste, seguimos pela outra trilha, atravessando o morro até à Praia do Pântano do Sul, para depois voltar de ônibus até a Armação (vizinha ao Matadeiro), onde o carro havia ficado.

Foi bem cansativo. Mas é o tipo do cansaço que faz bem.



Visualizar Trilha Matadeiro-Lagoinha em um mapa maior

domingo, 19 de abril de 2009

A Ilha

4.

Ian chegou à Ilha ainda com a velha imagem que os europeus tinham de países do lado sul do mundo. Já haviam lhe contado, mas ainda assim surpreendeu-se de não encontrar naquela ilha estranha um enorme cobertor de casebres espalhando-se pelos morros, como vira no Rio de Janeiro. O holandês ainda tinha essa imagem na mente enquando assistia ao filme de treinamento da turma de novos policiais navais. Os morros, em vez da pobreza do Rio, eram oásis de civilização naquele país latino. Lá estavam os espaços mais nobres e organizados da cidade reiventada pela VOC.

O jovem recruta voltou a pensar nisso quando embarcou numa das lanchas da Polícia Naval para o reconhecimento da porção marítima de Desterro. Em turmas, os recrutas descem por um grande elevador até o porto da VOC, no “subsolo” da ilha artificial. Suspensa pelos pilares das antigas pontes de acesso a Desterro, a sede da VOC permitia-se aquela curiosa solução arquitetônica de um porto localizado embaixo do grande edifício, de onde partiam as lanchas de patrulha da ilha. O mar estava não apenas em volta da construção, mas também embaixo.

Em poucos minutos, Ian foi outra vez desmentido pelos olhos. Também haviam lhe falado sobre aquilo, mas atribuíra então a exageros de conterrâneos embriagados pelo exotismo de uma terra distante. A lancha se aproximava de uma grande mancha no horizonte, numa diagonal à direita da proa. No início parecia ser uma pequena ilha. Mas era algo flutuante. Nâo poderia ser algum tipo de embarcação. Não fosse tão grande, Ian poderia pensar que fosse uma grande massa de lixo boiando sobre a baía.

A embarcação da Polícia Naval passou ao largo daquela massa flutuante de formas quadradas, conectando-se numa grande e irregular rede de madeira. Não havia exagero no que lhe contaram. Sim, não havia mais as antigas favelas nos morros. A guerra e a ocupação militar rígida de todas as áreas disponíveis ha ilha havia sido bem sucedida. Os pobres e os narcotraficantes não estavam mais nas terras da ilha. Mas as favelas não desapareceram, apenas mudaram de lugar.

Aquela massa flutuante era uma grande “abarcagem”, as inacreditáveis favelas flutuantes de que falavam os relatos que Ian considerava meros deslumbramentos exóticos. As casas, algumas com dois ou três pavimentos, aglomeraram-se em balsas ancoradas no meio das baías, a uma distância segura da ilha,. Era o único espaço onde aquela gente poderia ser tolerada.

— Estas áreas foram originalmente criadas para abrigar grandes fazendas marinhas de produção de moluscos, um negócio promissor para abastecer os restaurantes de Desterro — o instrutor tentava projetar a voz através do vento, em pé na proa da lancha, apontado para a favela flutuante. — A produção não deu certo porque ataques de piratas a tornaram pouco segura. Nossa estratégia foi então reforçar a segurança dos portos, para manter esses transgressores fora da ilha. E conseguimos. Eles se instalaram então nas águas da baía, sobre as antigas fazendas. A situação está estabilizada.

“Por enquanto...”, gostaria de ter acrescentado o instrutor. Aquela situação era tudo, menos estável. Cedo ou tarde, os piratas baseados nas abarcagens trariam problemas à cidade holandesa na ilha. Amiúde, pequenas escaramuças já ocorriam. Os dois lados mantinham uma espécie de guerra fria, como dois leões entocados esperando um descuido do oponente para atacar e tomar todo o território. Os piratas era militarmente mais fracos, mas poderiam fazer grandes estragos com suas táticas de guerrilha. À Polícia Naval, cabia neste momento manter a estabilidade em Desterro, não interessando um confronto aberto. Mas como avaliava mentalmente o instrutor, era uma situação que não poderia durar. Ian começa a compreender isso.

(continua...)

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A Ilha

3.

Jef acomodou-se na poltrona da sala do editor-chefe, não a que o próprio usava, mas uma segunda, instalada ao lado do grande surfbook que servia também como mesa. O editor-chefe, um sujeito de expressão comum e olhos pequenos protegidos por óculos de aro escuro, de rosto mal barbeado, usava uma camisa clara, adequada para aquela época de calor e umidade. altas em Blumenau, a cidade que ainda se acostumava a ser capital. Estendeu uma chícara de café ao repórter, ao mesmo tempo em que começou a falar.

— Vou lhe contar o que vi.

O repórter sorriu levemente, satisfeito, e apurou os ouvidos. Já havia pesquisado bastante nos arquivos. O que precisava agora era exatamente da impressão de um colega experiente que esteve na ilha durante aqueles anos turbulentos, ainda que não tenha, por impossível, seguido todo o processo de mudança da ex-capital.

— Do que mais me lembro são as explosões. Ficaram gravadas aqui de forma muito viva — disse o editor-chefe, tocando a têmpora com o indicador direito. — Explosões na água, especialmente, são imagens muito impressionantes.

— Fala da Guerra do Maciço?

— A guerra foi realmente a coisa mais impressionante que já cobri. Três anos de bombardeio aos morros de Florianópolis, que ainda se chamava assim, até desentocar as guerrilhas de narcotraficantes. A Polícia Naval teve trabalho. Mas a imagem que tenho mais clara daquele tempo é anterior. Estava lá quando eles implodiram as pontes Pedro Ivo e Colombo Salles. A VOC ergueu a ilha artificial, o quartel-general deles, sobre o que restou das pontes, como você sabe.

A memória do editor-chefe correu em frente a seus olhos como um filme. As duas pontes ainda estavam lá, mas levando a lugar nenhum. Do lado da ilha, as oito pistas terminavam embaixo d'água. A preparação da operação não durou mais que um dia. Mergulhadores istalaram poderosos e compactos explosivos, acionados a distância. Barcos da Polícia Naval patrulhavam uma área de isolamento no mar, mantendo qualquer embarcação na zona segura.

Às 15 horas em ponto, o mecanismo foi acionado. Várias explosões a intervalos de meio segundo abriram um caminho de água, que engolia os escombros do que foram segundos antes as extremidades das pontes, dois dois lados. O editor podia ver as colunas de água se erguendo, como o impacto do mar contra o rochedo, mas alcançando a altura de edifícios. Ao cair, a água levava para o fundo da baía o que parecia tão sólido, como um Netuno que cobra seu tributo destes homens de terra que um dia usaram cruzar seus domínios de água.

Em segundos, acabou. O cordão umbilical entre a ilha e o continente próximo voltava a ser a velha ponte pênsil, recuperada para a passagem de um linha férrea. Como o aeroporto também fora submerso e não havia mais áreas planas para construir outro, só era possível agora entrar na ilha por trem ou barco. Os morros, antes tomados pelas pobreza das favelas, passaram a ser as áreas mais cobiçadas. Ficam a salvo das marés, abrigam preciosas fontes de água potável e em geral haviam sido ocupadas de forma ilegal, tornando-se também reduto de organizações criminosas.

Com os amplos poderes concedidos pelo governo à VOC e seu braço militar, a Polícia Naval, não havia grandes obstáculos a uma ação rápida e violenta de tomada dos morros. Antigos bairros foram comprados inteiros por investidores. Mas os narcotraficantes e os que dependiam deles recusaram-se a sair. Então veio a guerra. A Polícia Naval descarregou seu arsenal sobre o maciço rochoso no antigo centro da cidade.

(continua...)

sábado, 4 de abril de 2009

A Ilha

2.

— Isso é o que temos de mais parecido com um aeroporto! 20 por 25 metros! Chamamos de “Hercilio de bolso!”, ha ha ha!

O piloto quase tinha que inclinar o corpo à direita para se aproximar do interlocutor e permitir que sua voz, abafada pelo capacete e pelo ruído do rotor do helicóptero, pudesse ser ouvida com um mínimo de clareza. O passageiro, um técnico em comunicações, não fez questão de achar graça.

“Hercílio” era o apelido dado pelos militares ao heliponto. Era uma referência ao antigo aeroporto da ilha, hoje uma grande enseada frequentada não mais por aeronaves, mas por embarcações.

O heliponto fica no topo da construção mais alta de Desterro. Não por acaso, o edifício não foi construído na ilha, mas num ponto isolado pela água, tal qual as antigas fortificações portuguesas do século XVIII. As bases dessa ilha artificial já foram os pilares de duas grandes pontes de acesso à ilha.

O técnico em comunicações, um holandês calado, desceu apressado as escadas assim que desembarcou do helicóptero, sob um vento sul forte e uma chuva fina com cheiro de água do mar. Logo teve acesso a uma sala onde pôde pendurar a capa de chuva e tomar um elevador. Foi direto ao estúdio, um compartimento isolado acusticamente aos fundos da sala de conferência. Em 10 minutos, os equipamentos estavam prontos.

Uma turma de 20 recrutas da Polícia Naval, em fase inicial de treinamento, preencheu ordenadamente os assentos da sala. As poltronas estavam voltadas para uma parede escura. Um instante após o último deles se acomodar, o conferencista entrou na sala por uma porta lateral e estacou de costas para a parede escura, voltando-se para os recrutas. Era um homem jovem, mas de expressão decidida, usando uma roupa civil, com um discreto bottom na lapela em formato de açor, figura de ave adotada como símbolo da organização.

— Bom dia. Daqui a seis meses, vocês estarão prontos para fazer parte de um dos eventos históricos mais importantes deste país, uma experiência pioneira neste continente. Vocês serão parte do braço operacional da VOC, a organização que governa esta ilha atualmente. A VOC é uma empresa que vende civilização, que traz a paz onde o caos se instalou. É precisamente o que fazemos aqui. Vocês conhecerão a história dessa fabulosa organização, o que os ajudará a compreender melhor sua missão nesta ilha.

A parede escura iluminou-se como uma tela de cinema. Imagens e sons passaram a serem exibidos como se uma grande TV de plasma acabase de ter sido ligada. Isolado no estúdio, com visão para a sala, o técnico em comunicações cochilou logo depois de acionar a apresentação. Mas acordou antes que o curto filme terminasse:

...Os agentes da Vereeridge Neederlandsche Geocitoyeerde Oast Compagnie escolheram Desterro para a primeira experiência de reconstrução urbana. O congelamento dos Países Baixos pelos efeitos da mudança no clima global fez a VOC enxergar oportunidades empresariais no que parecia ser uma catástrofe irremediável. Antes um instituto de pesquisa, a VOC holandesa criou seu braço empresarial, especializado em adquirir possessões territoriais no ultramar e transformá-las em bases experimentais para as novas tecnologias de convivência com o oceano, num mundo que aos poucos ficava embaixo d´água. A VOC obteve rapidamente do governo brasileiro uma concessão de 50 anos sobre a ilha, com o compromisso de transformá-la numa cidade viável...

(continua...)

quinta-feira, 2 de abril de 2009

A Ilha

1.

— Café?

— Pode deixar aqui do lado, por favor.

A copeira pousou a caneca sobre o surfbook — o equipamento metade mesa, metade computador que as redações de jornais haviam há pouco adotado como padrão. Os olhos de Jef alternavam-se entre a atenção fixa ao monitor, por trás dos óculos de aros finos, e rápidas olhadelas no teclado. Monitor e teclado ainda eram chamados assim por costume, numa referência aos periféricos dos antigos PCs. O surfbook os mantinha apenas como imagens virtuais numa grande tela sensível, dobrável à moda dos velhos notebooks.

Jef também não perdia o costume de murmurar ao digitar.

— Acho que foi publicado em janeiro...

[pesquisa FIND9]

[canal: JSC]

[palavra-chave: Desterro especial nova_cidade]

[período: 01/01/2029 a 31/03/2029]

Um aplicativo instalado no surfbook simulava o som de um antigo teclado ao digitar. Jef achava que seu cérebro trabalhava melhor ritmado pelo saudosismo do ruído. Por isso franziu levemente a testa quando uma voz atrás de si quebrou a melodia das teclas.

— Vai mesmo para aquele inferno?

Jef fez um meneio de cabeça para o lado, apenas para indicar que havia ouvido o editor.

— Aquilo já foi um inferno pior. E pode voltar a ser.

Notando que o editor se afastava, olhou pela janela antes de prosseguir. Podia ver as águas barrentas do Itajaí-Açu. Do outro lado do rio, avistava parte do prédio da prefeitura (que tinha sido poucos anos antes também a sede provisória do governo estadual). Havia chovido na madrugada e a manhã era cinza e quente. Certamente voltaria a chover no início da tarde, ou antes. O reflexo das nuvens nas águas lentas do rio o fizeram pensar no tempo.

Quase todos os dias eram assim. Um clima relativamente novo, mas já típico e integrado à paisagem. Só os mais velhos se preocupavam com alguma chuva mais intensa. Ainda havia famílias assombradas por lembranças antigas, de quando as cheias do rio costumavam ter como resultados tragédias humanas e edições históricas do jornal. Com as novas tecnologias importadas no norte europeu, as chuvas fortes, embora mais frequentes, haviam sido rebaixadas à posição de mero contratempo cotidiano.

[Enter]

31/03/2029 Edição 17844

Reportagem Especial

A Ilha

De uma cidade brasileira em expansão, a ilha converteu-se numa concessão privada de uma companhia estrangeira, ao fim de uma década de transformação violenta. O antigo nome da ilha, abandonado havia mais de um século, foi restaurado com uma surpreendente atualidade para a nova situação: Desterro. Nunca, em seus mais de três séculos de história, a cidade havia assistido a uma transferência tão rápida e dramática de populações. Quase ninguém ficou onde estava.

O aviso veio pouco antes da década fatal. Depois de um século XX traumático, em que o mundo aprendeu a temer a guerra, um novo alarme global soou nos primeiros anos do século XXI: o clima do planeta estava mudando mais rápido do que previam os cientistas mais pessimistas. O mar elevou seu nível em nove metros. O derretimento das geleiras do Ártico resfriou as correntes marinhas no Atlântico Norte, congelando o norte europeu.

Tais mudanças globais, ocorridas no veloz espaço de meia década, aceleraram a roda da história e transformaram completamente uma cidade instalada numa ilha costeira da América do Sul. A inundação de grandes áreas inviabilizou a ilha como espaço urbano. O grande aterro no acesso ao centro da cidade desapareceu sob vários metros de mar e as duas pontes paralelas de acesso à ilha tornaram-se inúteis.

A economia local, baseada em grande parte no turismo, entrou em colapso. A capital do estado foi transferida para Blumenau. Traficantes de drogas tornaram-se os governantes efetivos de grandes áreas. A ilha deixou de ser uma cidade para se transformar num pontilhado urbano disforme. Sem lei, sem governo, sem esperança.

(continua...)

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Ficção

Decidi voltar à brincadeira de escrever ficção. A idéia é retomar a aventura que encarei em 2006 de escrever A Ilha, uma história feita em formato específico para publicação num blog, que rendeu depois uma continuação. Meu projeto passou a ser uma trilogia, mas a terceira parte nunca foi escrita.

Agora, em vez de escrever já esta prometida terceira parte, optei por um caminho diferente. Vou reescrever as duas primeiras partes de
A Ilha, descompactando aqueles posts antigos e estendendo um pouco mais o texto.

Assim quem sabe me animo e, no embalo, consigo escrever a terceira parte. E eventuais novos leitores podem seguir o fio dessa meada. A base da história não se altera com a nova versão.